Oi pessoal!
Hoje pela manhã a Mírian postou nossas impressões sobre os últimos dois dias de viagem, descrevendo com perfeição tudo o que passamos e atravessamos.
A viagem realmente tem sido maravilhosa e hoje tiramos o dia para “fazer nada”!
Grande parte do grupo foi para um Oasis aqui perto de Ica, e gostaram muito. Passearam de gaiolas, e deslizaram de sand board, um nome gringo para o nosso esquibunda. Pelos comentários todos adoraram.
Eu e a Mírian no entanto, preferimos ficar no hotel o dia todo...eu postando fotos no facebook e ela descrevendo os últimos dias da viagem.
Amanha acompanharemos uma parte do Rally Dakar 2012.
O hotel que estamos hospedados – “El Carmelo” – organizará uma tenda no deserto para que possamos assistir a passagem da caravana.
Por módicos $ 150 (cento e cinqüenta dólares por pessoa) a gente tem direito à sombra da tenda, 5 cervejas e 5 refrigerantes.
Se os meus amigos Netão e o Samuel Greve, lerem este post eles certamente irão falar assim:_ barato heim!!!
De outro lado, se o meu amigo Leandro Zimmerman de Mirassol ler este texto ele certamente vai gritar: _ Baixou o preço?
Caro...muito caro para o que é oferecido! Mas o nome da nossa viagem é Dakar Peru 2012. Como não pagar?
Hoje sinto um pouco de ansiedade pelo que veremos amanhã. Preferi nem tomar uma cervejinha com os companheiros no final da tarde...fui passear com a Mirian em um supermercado e comprar umas coisinhas que estávamos precisando.
De volta ao hotel nos entocamos no quarto.
Comecei a navegar na net e fui lendo os comentários postados, graças a Deus todos muito carinhosos, alguns sarcásticos (o importante é não perder a piada!) e outros tantos de motivação. Isso é legal e nos ajuda muito nesta viagem.
Alguns amigos até sugeriram que escrevêssemos um livro e foi neste momento que a minha imaginação começou a dar pinotes. Será que deveríamos escrever um livro e relatar a nossa viagem?
Eu tentava desviar o pensamento, mas a minha impagável e insubornável consciência insistia em apitar na minha cabeça dizendo mais ou menos assim: _ Gustavo, o que você está fazendo de mais? O que você acha que tem para se achar diferente dos demais e se propor a escrever um livro? Qual foi a sua grande façanha que valesse a pena imprimir em capa dura e colocar a apreciação dos demais?
Neste momento resolvi então começar a escrever, como se dizia antigamente, de carreirinha(meu pai falava assim também), e expor os meus pensamentos sobre os comentários e sobre o que eu realmente penso sobre o que estamos fazendo.
Antes de mais nada eu creio firmemente que não estamos fazendo nada de mais.
Estamos viajando por países vizinhos, em grupo e até com carro de apoio. Grande façanha? Creio que não.
Estamos em uma moto nova e segura que tem a mais alta tecnologia disponível no mercado, ou seja, estamos atentos ao item Segurança. Novamente nada de mais.
E o pior. Nesta viajem encontrei algumas pessoas que são diferentes no que fazem.
Na estrada entre Nazca e Ica cruzamos com mais de 50 motos...ultrapassamos outras tantas...motos grandes, motos pequenas, motos novas motos antigas...
Cruzamos também com várias KTM’s que são pra mim o estado de arte de motos Big Trail, mas apresentam uma característica que eu não posso aceitar: são motos que tratam bem o piloto, mas judiam do garupa e eu jamais vou expor a minha esposa a uma viagem de moto e ainda desconfortável (mais?).
Em nosso hotel chegaram motos do Equador, da Colombia, do México, do Brasil (Porto Velho) e andei proseando com alguns destes pilotos, e pelo que percebi a nossa aventura não é nada se compararmos a que estes caras já fizeram e fazem
O Marcelo (arquiteto de Porto Velho) subiu a cinco dias atrás a estrada da morte, em um trecho onde não passaremos por ser o mais severo...e subiu com sua KTM (olha esse nome de novo...ai ai ai) à noite, tem base?
O cara tem mais de 10 anos de off-road e esta com outros amigos que já participaram do Rally dos Sertões e do próprio Dakar. Talvez estes caras pudessem escrever um livro...
No motociclismo também tem isso...a pessoa que anda com as motos mais nervosas tendem a ser mais altivas (não estou falando em relação ao Marcelo, mesmo porque ele nos deu todas as dicas que precisávamos).
Só não sei se eles, o grupo do Marcelo, ao escreverem um livro irão contar que um deles acabou de quebrar 6 costelas na subida da estrada da morte...
Como diz Aldir Blanc na música A Banca do Distinto: “A bruxa que é cega esbarra na gente e a vida estanca”...
O fato é que encontramos vários motociclistas que já rodaram meio mundo e quase que a totalidade se considera uma família. Isto é realmente interessante!
Um grupo de equatorianos também se tornaram amigos...iremos para a tal tenda (a caríssima) amanhã...pelo que deu pra notar já estamos grandes amigos.
Conheci um casal de ingleses (Jeff e Louise) que já está marcando um tour pela Europa para que eu e a Mirian possamos ir...logicamente de moto (alugadas lá, lógico!).
Percebi então que não estamos fazendo absolutamente nada de mais...apenas realizando um sonho comum.
Cruzamos com alguns motociclistas que já rodaram meio mundo sozinhos...sem qualquer assistência...expostos a tudo...estes são diferentes...
Uma vontade de transpor algumas barreiras e ao começar a pensar nisso me veio uma leva de pensamentos à minha mente.
Lá vai...
Diante dos comentários para que escrevêssemos um livro eu percebi que as pessoas que comentaram neste sentido nunca andaram e/ou viajaram de moto, pois nenhum amigo motociclista postou comentários neste sentido e a razão é simples: porque eles sabem que viajar de moto é normal!
Penso então que existe sim um abissal diferença entre quem anda e quem não anda de moto!
Alguns não andam porque acham perigoso...
Uns porque a esposa não gosta...
Outros porque nunca se interessaram...
E por fim os que dizem que não gostam e ponto, sem maiores explicações...
Quando comecei a andar de moto percebi que eu não era mais uma pessoa “normal” afinal eu queria viajar de moto e os meus mais chegados amigos falavam: você é doido!
Neste momento eu penso que transcendi a um nível superior na escala das pessoas na terra. E seria muito pouco pontuar essa diferença apenas entre quem anda ou não de moto.
A diferença é maior, muito maior!
A diferença é entre pessoas que realizam ou não sonhos...entre as que vivem domesticadas e as que querem sugar desta vida morna um pouco mais...entre os que viajam de moto e os que não. A diferença é contextual, mas é simples.
Cada um se liberta do jeito que achar melhor...o importante é viver melhor esta vida...andar de moto foi causa, nunca foi conseqüência...
“Eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”...assim disse o famoso Raul na musica Ouro de Tolo...
Algumas pessoas podem achar um monte de coisas sobre viajar de moto, podem até torcer o bico, mas quando passamos...todos vestidos e protegidos (praticamente paramentados) estas pessoas não ficam indiferentes...umas declaram a sua vontade de estar conosco e acenam, tiram fotos, dão passagem, se tiverem alguma chance nos indagam uma infinidade de questões...querem saber tudo!
E eu aposto que os enrustidos, aqueles que só criticam quem viaja de moto, no momento de se deitarem a noite, pensam: porque eu ainda não andei de moto?
Alguns pensarão assim: nossa, minha vida passou e eu deixei de realizar meus sonhos, pois no inicio da minha vida eu tive uma moto....
Ou ainda: porque fiquei com medo de andar de moto por todos estes anos?
De verdade é assim que me sinto: uma pessoa normal, mas disposta a enfrentar meus medos em busca de viver melhor...de tirar desta vida um pouco mais...de ultrapassar as barreiras do homem medíocre que desde sempre acha que moto é perigoso e desconfortável.
Francamente eu hoje prefiro uma boa moto do que um bom carro. E olha que já possuí bons carros...
Não quero que ninguém me entenda errado, só quero que saibam de verdade como me sinto. E eu me sinto normal, sem nada de mais...
Certa vez uma pessoa (muito bem sucedida financeiramente) comentou com minha mãe (que não perde uma chance de falar verdade...) que estava pensando escrever um livro sobre a sua história sendo que minha mãe assim lhe respondeu: _ porque você não espera o Antonio Carlos Magalhães (ainda vivo na época) escrever um livro e depois escreve o seu?
O que ela quis dizer foi que para se escrever um livro há que se ter conteúdo, ou fazer algo extraordinário. E ficar rico não tem nada de extraordinário, mas aquele incauto “escritor” foi falar de suas idéias justamente para a minha mãe?
A minha mãe também sempre diz: _ tem gente tão pobre, mas tão pobre que só tem dinheiro!
Creio que eu a minha amada Mirian tenhamos conteúdo (e muito) mas não fizemos nada de extraordinário (ainda...)...e o nosso conteúdo não nos credencia (e nem queremos) a escrever uma obra.
No fim eu acho que estou divagando porque não me sinto confortável ao imaginar que as pessoas (os meus queridos amigos) possam imaginar que estejamos fazendo algo de extraordinário, simplesmente pelo fato de não estarmos!
Se duvidarem de mim eu faço uma aposta: façam uma viagem de moto e se acharem algo tão diferente assim eu pago dez reais! O valor é simbólico, mas é que espero uma grande adesão a este desafio...rsrsrs
Como já disse em outras postagens, viajar de moto é se integrar a paisagem...e isto nenhum outro meio de transporte motorizado proporciona.
Eu e Mirian estamos bem, estamos seguros, bem cuidados e bem alimentados. Não estamos fazendo nada de mais...acreditem! Assim eu me sinto melhor...
Acreditamos cada dia mais que a vida é deliciosa demais para passar em cinza...queremos todas as suas cores e tons. Queremos todos seus sabores e jamais comeremos os prato feitos que tentarão nos oferecer. O padrão “seguro” de comportamento é relativo...
Para encerrar eu me recorro novamente ao Raulzito:
“Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado...
Porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto "e daí?"
Eu tenho uma porção de coisas grandes prá conquistar e eu não posso ficar aí parado”...
Um beijo a todos e fiquem com Deus!
Ps. Mãe, pode ficar tranqüila, não vamos escrever livro nenhum! rsrssr